A linguagem inclusiva é desnecessária!

Calma, não fique bravo comigo meu amigo! Não escrevi este artigo para leitores ficarem nervosos.

Se você ficou desconfortável com a mensagem provocativa do título ou com a frase acima, construída somente com termos masculinos, já temos uma primeira conquista aqui: você faz parte da mudança, ou ao menos já tem ferramentas de compreensão que podem contribuir para ela. Agradeço por não ter desistido da leitura logo no começo! Imagino que, ler meu texto sempre se referindo a você no masculino, mesmo que não se identifique com esse gênero, infelizmente algo comum para mulheres e pessoas não binárias, possa ter gerado um sentimento de exclusão e invisibilidade, certo? Por isso, daqui por diante, prometo que toda a linguagem será neutra e, pretensiosamente, espero que ela tire você da neutralidade em relação ao tema. Afinal, a linguagem inclusiva não é necessária apenas se você não entender o real compromisso pessoal ou da sua empresa em promover a igualdade. Caso contrário, ela é mais do que necessária, eu diria que é obrigatória. Quando você entende o contexto histórico e tem o mínimo de conhecimento, torna-se uma necessidade praticamente compulsória a reafirmação do papel transformador da linguagem como ferramenta de mudança social, seja na sua vida particular, na sua comunidade ou na sua organização.

Ah, vale dizer, você não vai encontrar aqui regras gramaticais ou um compêndio de expressões inclusivas. Deixo isso para os artigos científicos e para as pessoas com autoridade sobre o tema. Quem sou eu na fila do pão? Este é um artigo que pretende contar a experiência transformadora que eu vivi e tenho vivido diariamente aqui na Weduka. Desde que tivemos a clareza de que isso importava, temos estudado e aprendido muito, transformando nossa plataforma naquela que julgo ser a mais inclusiva do mundo! Exagero? Sim, porque obviamente não conheço todas as plataformas do mundo. Mas me permito exagerar, é quase uma licença poética, pois posso afirmar categoricamente que temos a plataforma mais inclusiva de todas as conhecidas por aqui entre nossas pessoas colaboradoras. Então, resolvi escrever e dividir um pouco sobre esta jornada, porque nem de longe acreditamos que a linguagem inclusiva tenha alguma coisa a ver com diferencial competitivo ou segredo de negócio. Espero que possamos ser parte da mudança e inspirar pessoas, em especial as UX writers ou as product owners de outras plataformas, concorrentes ou não, a darem os primeiros passos. Como você já deve ter percebido, por aqui entendemos como obrigação e ponto final.

Contexto histórico – bem superficial, só para situar!

A luta pela linguagem inclusiva não é recente. Já nas décadas de 1960 e 1970, movimentos feministas e LGBTQIAPN+ reivindicavam termos que refletissem suas identidades. Historicamente, a linguagem foi construída de maneira a refletir as normas sociais predominantes, muitas vezes excluindo determinados grupos, neste caso específico com o obsoleto uso do gênero masculino como neutro, por exemplo, que era (este verbo está adequadamente no passado, apesar de muita gente ainda acreditar que ele deveria estar no presente) uma prática comum em muitas línguas, incluindo o português e o espanhol. Com o tempo, a discussão se expandiu, abrangendo diferentes grupos minoritários. E a linguagem precisa acompanhar a evolução humana, especialmente quando o uso inadequado dela afronta princípios importantíssimos como o respeito, ou causa problemas graves, como a invisibilidade.

A linguagem inclusiva transcende a gramática, também não é apenas uma questão de etiqueta ou de correção política, e muito menos uma tendência. É uma realidade de um movimento social relevante que tenta combater a invisibilidade e a discriminação de grupos minoritários, capaz de impactar muito positivamente a experiência de pessoas usuárias (UX), apoiando na autoestima e no sentimento de pertencimento quando estão navegando em um site, uma plataforma ou um aplicativo. Mais do que palavras numa interface, ela representa a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, onde todas as pessoas se sintam representadas e respeitadas. É pra esse caminho que estamos levando a Weduka. Embora o tema pareça estar ainda distante da realidade, já existem pesquisas que demonstram seu impacto positivo, como um estudo da Universidade de Oxford, que revelou que a utilização de linguagem neutra em anúncios de emprego aumentou em 42% a candidatura de mulheres, por exemplo. Isso é um resultado incrivelmente revelador, e uma prova contundente de que o sentimento de inclusão conta para a pessoa que está lendo a mensagem. E, a julgar pelo grande aumento, conta muito!

Há alguns anos, quando decidimos empreender e criar a Weduka, fiz uma imersão em algumas empresas do Vale do Silício com o objetivo de abrir a mente, entender um pouco do futuro da tecnologia e beber direto da fonte, naquele lugar que era na época o maior centro de inovação do mundo. Nosso CEO, Charles Lorenzi, estava lá comigo em uma das visitas, quando fomos até a HP e tivemos um esclarecedor bate-papo sobre diversidade com o então diretor de recursos humanos de lá. Na oportunidade, lembro que chegamos à conclusão de que diversidade era sobre negócio, sobre estar mais perto de ter uma organização perene, infinita, mais capaz de ser empática, de alcançar dores de mais pessoas. Em outras palavras, ficamos com a sensação de que diversidade é sobre sobrevivência. Eu explico melhor: ouvindo o diretor, tivemos a certeza de que o que salvou a HP de um colapso, quando ela estava sendo esmagada na concorrência do mercado de computadores pessoais pela Apple e pela Dell, foi a mudança na atração de pessoas. Foram as pessoas diversas daquele antiquado padrão de homens brancos formados em engenharia de software nas universidades de Stanford e Berkeley, com a canetinha cuidadosamente colocada no bolso da camisa social branca de mangas curtas, que trouxeram as principais ideias inovadoras para os times de produto e desenvolvimento, como a pivotagem do negócio e o investimento direcionado para periféricos, o que acabou consolidando a marca como líder de mercado. Sabe como isso foi possível? A partir de um processo de recrutamento e seleção chamado “blind hiring”, que podemos traduzir de maneira mais inclusiva para contratação às escuras. Essencialmente, ocorreu um experimento social antes de tudo: o diretor fez vários currículos idênticos, com a mesma extraordinária formação em engenharia de software nas melhores universidades, a mesma informação de estágios em empresas com altíssima reputação, mudando apenas as fotos e os nomes/sobrenomes das pessoas, e os enviou para seu time de recrutamento sem avisar que faria o teste. Com isso, ele descobriu que, embora toda a formação e bagagem fossem exatamente iguais, o telefone cadastrado no currículo do homem branco foi, de longe, o mais acionado pela sua equipe. Não me recordo das proporções e não quero cometer o risco de errar, mas era algo assustadoramente maior do que o segundo currículo mais acionado, que era o da mulher branca. Depois, em escalas cada vez mais decrescentes, os acionamentos eram feitos para homens negros, homens latinos, mulheres negras, mulheres latinas, até chegar nos currículos com identidade de gênero diversa. Foi um estudo social chocante e marcante quando ele o apresentou para o time. Sempre temos a impressão de que o preconceito existe nas outras empresas, mas não na nossa, não é verdade? Depois da apresentação, rapidamente o time tomou a decisão de fazer as próximas seleções às escuras, com análise técnica da formação, da experiência, e com a aplicação de cases durante o processo seletivo. A identidade de gênero ou etnia, por exemplo, só passaram a ser reveladas após a contratação. E isso mudou o jogo! Ou melhor, colocou a HP de volta ao jogo. Poder ouvir isso naquele dia foi um grande presente, na verdade, e também uma virada de chave. E o que isso tem a ver com linguagem inclusiva? Absolutamente tudo! Ou você e a sua empresa entram no jogo de corpo e alma, ou não entram. O maior perigo de querer ter uma cultura de diversidade e inclusão e, com isso, trabalhar a linguagem inclusiva em todos os cantos da empresa, inclusive na interface, é o de as pessoas não acreditarem nela. Aqui na Weduka, nosso conceito de cultura é o seguinte: “Cultura é a verdade sobre como as coisas acontecem por aqui.” Não é um quadro na parede com um monte de coisas bonitas escritas, que as pessoas simplesmente não acreditam ou não praticam. Faz sentido até aqui?

Contexto atual das interfaces – não é um estudo, apenas um experimento.

Determinar um percentual exato de sites ou plataformas que adotam a linguagem inclusiva no Brasil ou no mundo é um desafio que, infelizmente, não consegui superar ao escrever este artigo. Eu pesquisei, mas falhei miseravelmente, confesso. A falta de padronização e também de pesquisas ou avaliações dificultam a mensuração precisa. Fica a dica aqui: que tal uma plataforma para medir o rating de inclusão na linguagem? Tipo o ReclameAqui da linguagem inclusiva? Seria uma ideia e tanto! Bem, acabei adotando uma métrica própria, que também pode servir para você, como forma de ter a dimensão deste dado: qual o percentual de sites ou plataformas do meu uso diário que adotam uma linguagem inclusiva? Essa foi a minha métrica. Dos 20 sites e plataformas que mais uso, somente a Weduka foi integralmente adotante. Além disso, encontrei no novo sistema operacional IOS, da Apple, uma configuração de preferência de gênero, onde é possível escolher entre masculino, feminino, ou neutro, o que já é uma grande evolução! Ou seja, na minha realidade, considerando 2 de 20 possibilidades, 90% dos sites ou plataformas que eu me relaciono não adotam linguagem inclusiva. Em tese, “tudo bem” para um homem branco, pois 100% destas plataformas ou sites não me excluem, não me tornam invisível. Mas este é justamente o ponto aqui, quero fazer parte da mudança e estou comprometido com ela. Não é para mim, é para todas as pessoas terem o mesmo sentimento. Igualdade não deveria ser um privilégio.

É importante ponderar que, entre os sites e plataformas que mais uso, estão algumas como Google ou Slack, que são produzidas em inglês e traduzidas para o português. Nas línguas latinas, como português e espanhol, a distinção de gênero na linguagem é mais marcante do que no inglês. Enquanto o Google chama originalmente de “user” suas pessoas usuárias em todos os menus de configurações em inglês, sem se preocupar se a pessoa que está acessando é homem, mulher, ou não binária, ele traduz para “usuário” em português. Este é o problema, o que torna ainda mais crucial a adoção de práticas inclusivas na tradução de plataformas originalmente em inglês. Não é fácil, eu sei disso. Não estou aqui para julgar o Google, apesar de acreditar que deveria sim se esforçar mais nas suas traduções. Na Weduka, mesmo com todos os avanços, ainda temos muitos desafios para encontrar os termos adequados para todas as funcionalidades, botões, ações, até porque, na tecnologia, muitos deles são emprestados da língua inglesa. Mas o fato é que a tradução literal de textos em inglês, com predominância do masculino, reforça a invisibilidade de grupos minoritários nas línguas latinas. É incontestável. Por isso entendo como fundamental que as pessoas tradutoras, UX writers, product owners, CSs (customer success) estejam atentas às nuances da linguagem e busquem alternativas inclusivas, como o uso de termos neutros, flexões de gênero e construções gramaticais que contemplem a diversidade. Algumas dicas podem apoiar você, como alguns exemplos que fizeram a Weduka avançar muitas casas, e que quero compartilhar:

– Diversidade na contratação: quando pessoas funcionárias diversas entram no time e recebem autonomia para questionar e propor, a mudança começa de fora para dentro. Lembra do aprendizado na HP? Mais ou menos isso. A Weduka foi fundada por homens, e somente quando contratamos a Daniela Borth, nossa primeira colaboradora, atual coordenadora de CS e partner, começamos a entender sobre a ótica dela o quanto a linguagem masculina era, mais do que desconfortável, um problema importante que precisava estar na nossa pauta. A Dani recebeu autonomia, estudou sobre o tema, e começou um projeto, criando nosso primeiro manual de boas práticas de linguagem. Depois disso, passou a revisar writing das funcionalidades, participar de reuniões de alinhamento de novas features, treinar o time de CS e de produto, multiplicou o conhecimento e gerou uma rede de engajamento interno. Ela não precisa mais vender a ideia, todas as pessoas já compraram. Inclusive eu, que talvez tenha sido uma das primeiras pessoas influenciadas por ela.

– Tomar contato real com a dor das pessoas usuárias: nossa jornada foi muito positivamente impactada por Jhow Nascimento. Uma pessoa incrível, diversa, designer do Impact Hub de Florianópolis e integrante do comitê de diversidade, inclusão e equidade, que um dia cruzou nosso caminho e topou fazer um bate-papo aberto sobre sua experiência de vida, especialmente sobre o uso de interfaces. Foi um verdadeiro “soco no estômago”! A cada exemplo, a cada situação, foi como se nosso time estivesse sentindo o impacto negativo da exclusão e da invisibilidade que causávamos quando escrevíamos no masculino em toda nossa interface. Foi um impagável exercício de empatia e tomada de consciência que mudou nossa forma de pensar. Por isso deixo aqui publicamente minha enorme gratidão, em nome de todo o time, pela generosidade e colaboração desta pessoa necessária, que deixou seu DNA na construção da Weduka, ativista de primeira linha na luta pela igualdade de gênero!

– Ouvir as pessoas que estão no centro do seu negócio: clientes. Tivemos o privilégio de contar com clientes que puxaram o tema, elevaram a barra, e nos ajudaram a tracionar as mudanças. Citação especial para a Jennifer Lopes Fagundes, referência de diversidade, equidade e inclusão nos pilares LGBTQIAPN+, gênero e raça, na SX Negócios, empresa do Grupo Santander, com projetos magníficos de pesquisa e desenvolvimento de comunicação inclusiva, generosamente compartilhados com a Weduka durante o nosso processo de discovery. Outra contribuinte fundamental foi a Laila Lasmar, que entre outras atribuições, liderava as frentes de diversidade, acessibilidade e inclusão na aprendizagem do Nubank. Com ela, tínhamos sessões quinzenais para tratar o tema, mostrar evoluções, e ter um contato direto com o feedback das pessoas usuárias sobre o caminho que estávamos seguindo. Conduzimos de forma conjunta um verdadeiro roadmap de ações de inclusão e acessibilidade na plataforma Weduka. Foi um processo muito enriquecedor! Hoje a Laila faz parte do time Weduka e vai poder continuar suas contribuições daqui de dentro.

Estas são as 3 dicas de ouro que mudaram nossa realidade sobre linguagem inclusiva! Se você curtiu alguma delas e puder implementar, recomendo que vá em frente. No mínimo, irá aprender muito. Possivelmente adotará novos hábitos de comunicação na sua vida pessoal e profissional e, ainda que não perceba, passará a influenciar outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas, já deixo um aviso: é um caminho sem volta! Você passará a analisar publicações, sites, plataformas, propagandas, anúncios e todo o tipo de linguagem sempre com o olhar da inclusão. Sabe quando fica impossível “desver”? Fará julgamentos, passará a classificar empresas e pessoas entre as que adotam e as que não adotam a linguagem inclusiva. Sua comunicação será mais acolhedora e capaz de gerar experiências mais positivas para todas as pessoas envolvidas. Talvez você não consiga mudar o mundo e fazer reparações históricas com isso, mas você será parte da mudança, e isso já vale todo o empenho, não tenho a menor dúvida!

Como alguém que percebeu os impactos positivos de ter mudado a forma de comunicação a partir de trocas tão generosas com outras pessoas engajadas, senti a responsabilidade de dividir essa reflexão sobre como nossas palavras impactam pessoas ao nosso redor e, por ter chegado até aqui, agradeço pelo seu tempo de leitura. Na Weduka, vamos continuar a nos educar e a adaptar nossas práticas, sempre com respeito e consideração pela diversidade humana. A inclusão começa na maneira como escolhemos nossas palavras. Espero que tenha feito sentido para você. Até logo!

Por Daniel Fedrizzi, em 25 de junho de 2024

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